Uma das gratas surpresas que tivemos no final da visita ao Museu da Imigração de São Paulo (MI), em 15 de março de 2023, foi a exposição “África em São Paulo”. O projeto, que reúne retratos feitos pelo consagrado fotógrafo Bob Wolfenson e textos do jornalista Naief Haddad, foi aberto em 19 de novembro de 2022. Elaborada nos últimos cinco anos, a mostra reúne 43 fotos que retratam a história e o cotidiano desses imigrantes, que inclui alguns refugiados.
São mulheres e homens de 21 países do continente africano que são: África do Sul, Angola, Benin, Cabo Verde, Camarões, Chade, Costa do Marfim, Egito, Etiópia, Gabão, Guiné, Guiné-Bissau, Malauí, Mali, Moçambique, Nigéria, República Democrática do Congo, Senegal, Tanzânia, Togo e Uganda.
“Desde a minha juventude, meu país vive histórias de assombro…”
Entre os fotografados está Hortense Mbuyi Mwanza (à direita), que veio da República Democrática do Congo. Ela trabalhou como advogada e foi militante política em Kinshasa, porque se opunha ao presidente Joseph Kabila. Em 2014, ao deixar o fórum foi levada para uma prisão onde permaneceu por duas semanas. “Desde a minha juventude, meu país vive histórias de assombro. Ainda não conseguimos viver nossos sonhos” disse Hortense no depoimento a Naief Haddad.
Logo após ser libertada, viajou para o Brasil trazendo apenas o filho caçula que, na época, tinha 6 meses de vida. Suas duas filhas mais velhas ficaram na RDC. Atualmente Hortense é presidente do Conselho Municipal dos Imigrantes, em São Paulo.
Reconhecimento em alta costura
Já Patrick Ngwevende (à esquerda) nasceu em 1990 na pequena cidade de Nkhotakota, no Maláui. Sua família mudou-se para Maputo, capital de Moçambique, onde, anos mais tarde, estudou na Escola Nacional de Artes Visuais. Ainda muito jovem começou a fazer vestidos e outras peças de roupas e logo viu seu nome ser reconhecido na alta costura moçambicana. Patrick, entretanto, queria ampliar o seu reconhecimento e, como os demais personagens da exposição, atravessou o Atlântico e veio para o Brasil. Sem abrir mão dos seus clientes em Moçambique, inaugurou um espaço no centro de São Paulo onde expõe suas criações inovadoras.
Munanga é o maior especialista em antropologia da África e da população afro-brasileira no Brasil
Outro imigrante que integra a mostra de fotografias é Kabengele Munanga, primeiro antropólogo a se formar na República Democrática do Congo, em 1969. Nascido em 1942, passou uma temporada na Bélgica para cursar doutorado, mas sua bolsa de estudos foi cancelada pelo governo do seu país.
Nesse meio tempo foi convidado para concluir a sua formação na Universidade de São Paulo (USP), instituição onde passou o maior tempo de sua vida acadêmica. Munanga chegou ao Brasil em 1975 e obteve a cidadania brasileira dez anos depois, tornando-se o maior especialista do país em antropologia da África e da população afro-brasileira.
Referência africana na Praça da República
Mama Diamou Diop, que nasceu em 1960 no Senegal, começou a vender objetos da África na Praça da República. Como sempre se vestia com elegância chamava a atenção dos fregueses e logo começaram a lhe pedir roupas. Desta forma Mama se tornou uma das pioneiras da moda africana no centro da capital paulista. A senegalesa não está mais na República, mas deixou sua influência.
Quarenta e três africanos de 21 países foram retratados na mostra
O site do Museu da Imigração tem muitas informações adicionais a respeito da exposição inaugurada em novembro. Confira: museudaimigracao.org.br
Projeto que reúne retratos feitos pelo consagrado fotógrafo Bob Wolfenson e textos do jornalista Naief Haddad foi aberto no dia 19 de novembro de 2022. Na véspera do Dia da Consciência Negra, o Museu da Imigração (MI) – instituição da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo – abriram a exposição “África em São Paulo”, com retratos feitos pelo fotógrafo Bob Wolfenson e entrevistas realizadas pelo jornalista Naief Haddad. O evento reuniu autores e personagens.
Desenvolvida nos últimos cinco anos, a mostra reúne 43 fotos que formam um painel variado e surpreendente desses migrantes, que inclui alguns refugiados. São mulheres e homens de 21 países do continente africano, entre eles, África do Sul, Angola, Camarões, Chade, Egito, Guiné-Bissau, Moçambique, República Democrática do Congo, Senegal e Tanzânia.
O desenho da exposição surgiu durante uma reportagem sobre emprego para a Folha de São Paulo em 2018, quando Naief e Bob andaram muito pelo centro de São Paulo e perceberam a presença e a diversidade deste grupo pelas ruas. “Bob e eu ficamos fascinados pelo trabalho dos africanos, que vendiam de máscaras a turbantes. Mergulhamos nesse assunto e, desde então, conhecemos pessoas incríveis, que formam um mosaico da nova imigração na cidade”, conta Naief Haddad.
De culturas, religiões e classes sociais diferentes, essas pessoas reinventaram suas histórias ao chegar a São Paulo, adotaram outras profissões e formaram novas famílias. Além das fotos em grandes formatos, em cores vibrantes ou preto e branco, a exposição traz depoimentos sobre os motivos que fizeram os retratados deixarem o país de origem, a saudade da terra natal e a realidade no Brasil.
“É uma exposição com potência, com peso!”, define Bob Wolfenson. “Esse trabalho nasceu de uma conversa minha com Naief sobre a adaptação, a riqueza da produção e da vida deles. São desses encontros mais fortuitos que saem as grandes ideias. O Naief trouxe os primeiros personagens, depois a jornalista Luly Zonta entrou na história para buscar novas pessoas e tudo se desenvolveu. Eu fui um pouco ao sabor dos acontecimentos, não tinha uma ideia pré-concebida de como fazer as fotos. Quando vejo esse conjunto todo pronto, percebo a beleza e a integridade deste trabalho”, revela o fotógrafo.
Com concepção cenográfica do arquiteto André Vainer e programação visual de Thea Severino e Marcio J. Freitas, a exposição traz recursos audiovisuais que permitem ao visitante uma imersão no continente africano. Será possível, inclusive, ouvir trechos dos relatos na voz e sotaque dos personagens. O escritor Jeferson Tenório e o ator e ativista Vensam Iala, que é especialista em literatura africana, assinam os textos de apresentação da mostra.
Entre as pessoas eternizadas pelas lentes de Bob Wolfenson, está uma princesa. Filha do rei da tribo Papel, Madalena Nanque nasceu na Guiné-Bissau, em 1979, e chegou ao Brasil em 1998, cheia de sonhos, mas sem mordomia. Formou-se em teologia e pedagogia e sua vida paulistana é de muito trabalho.
“Juntei minhas economias e vou me mudar para o Brasil. Quero ser escritor”. Foi com essas palavras que o angolano João Pedro Canda avisou seu pai sobre a mudança de continente. A travessia ocorreu em 2013, motivada não apenas pelo projeto literário de vida, mas também pelo temor da política repressora vigente em Angola de 1979 a 2017. Em São Paulo, o autor de sete livros também criou o instituto Literáfrica.
Formado em música em Alexandria, Tarek Sabry se apresentava como saxofonista em hotéis no Egito. Lá, conheceu a brasileira Claudia em 2011 e se apaixonou. As viagens foram constantes. Em 2018, já com dois filhos, o casal decidiu permanecer no Brasil. Entre os convidados do projeto, Tarek foi o único que disse nunca ter sofrido preconceito racial ou xenofobia.
A exposição de Bob e Naief mescla rostos, países e idades. Exemplo disso é a inquieta camaronesa Mama Louise Edimo: “Aos 75, tenho a sensação de que há mais 75 pela frente”. Aos 12, ela foi enviada pela família para
estudar na França. Anos depois de se formar em jornalismo em Paris, tornou-se produtora musical. Nos anos 1970, resolveu viver no Brasil, que conhecia por meio dos discos. Hoje, ela é uma referência da cultura de Camarões em São Paulo.
Com mais de 50 anos de carreira, Bob Wolfenson tem trabalhado com diversos gêneros da fotografia. Uma das referências nacionais como retratista e fotógrafo de moda, ele transita entre projetos artísticos e publicidade. Já expôs em museus, como o Masp, e lançou livros como “Jardim da Luz” (1996), “Belvedere” (2013) e “Desnorte” (2021).
Jornalista há 25 anos, Naief Haddad é repórter especial da Folha de São Paulo, onde exerceu diversas funções, como editor de projetos especiais e editor de Turismo. Coordenou a coleção 100 Anos de Fotografia pelas Lentes da Folha.