Hoje (dia 14 de março de 2023) foi dia de visitar o Museu do Ipiranga, também conhecido como Museu Paulista, em São Paulo. Foram duas horas percorrendo os três pisos e admirando o acervo disposto em 6.800m2 de área construída. A instituição, que completará 128 anos no próximo dia 7 de setembro, foi recém reinaugurada após nove anos de portas fechadas para as obras e um investimento superior a R$ 235 milhões, contando verbas públicas e privadas, via Lei Rouanet.
Para quem não conhece a história do Estado de São Paulo em profundidade, como é o meu caso, é surpreendente descobrir um museu no Brasil que já tenha nascido como “obra de arte” ainda no período imperial – não foi adaptado de um palácio ou de um prédio público qualquer, como a maioria. O objetivo da construção foi comemorar a Independência do País, em pleno reinado de Dom Pedro II.
A construção começou em 1875, ainda na monarquia, mas foi inaugurado somente em 1895, seis anos depois da Proclamação da República – que quase todos concordam, foi um golpe de estado, a primeira quartelada militar do país independente. Caminhando no piso centenário do museu e vendo de perto aquelas portas monumentais de madeira maciça é que nos damos conta da pujança econômica de São Paulo. É como se fosse outro país dentro do Brasil.
Abismo financeiro
Estado mais rico da Nação, mas não está livre das mazelas da desigualdade social, que são visíveis em seus moradores de rua discriminados pela pobreza e pela cor da pele. Um estado onde os dois extremos econômicos andam lado a lado, separados por um abismo financeiro colossal.
Por outro lado, para um museu com quase 128 anos de existência o Museu do Ipiranga não cresceu em seu espaço físico, não dá para comparar com o Metropolitan Museum e o Museu de História Natural de Nova Iorque (EUA), nem com o Louvre, de Paris.
Mas aí seria exigir demais de uma instituição de um país em desenvolvimento cujos governantes, na média, dão pouco valor à cultura. Sem contar as lacunas históricas ao deixar de abordar com profundidade temas como o tráfego de africanos escravizados e a consequente escravidão do povo negro.
A classe dominante
O Museu do Ipiranga conta a história do Brasil pelo viés da classe dominante como sempre ocorre – sobretudo a do Estado de São Paulo – desde a invasão portuguesa em 1.500. Se um extraterrestre o visitasse hoje, não saberia que tivemos mais de 300 anos de escravidão no País.
Há na instituição pouquíssimas referências à exploração do trabalho escravo e aos e aos instrumentos de tortura utilizados para castigar os cativos. Nenhuma imagem dos negros nas situações degradantes em que viviam sendo açoitados nos pelourinhos, que era uma situação rotineira: seres humanos sendo tratados como animais.
E o museu não tem praticamente nada de arqueologia das civilizações que aqui já viviam, antes da chegada de Cabral. É possível que esses acervos estejam no Museu de Arqueologia e Etnologia (MAE) – https://mae.usp.br/– também da USP, que ainda não conheci.
A inauguração
O site do Museu do Ipiranga – https://museudoipiranga.org.br/ – traz um histórico detalhado, desde as primeiras iniciativas para construir o prédio, em 1825. A seguir, um resumo deste conteúdo.
Inaugurado em 7 de setembro de 1895, o Museu abriu as portas para o público com um acervo composto por peças etnográficas – Etnografia é o estudo descritivo da cultura dos povos, sua língua, raça, religião, hábitos etc., como também das manifestações materiais de suas atividades. É a ciência das etnias. Do grego ethos (cultura) + graphe (escrita) – e arqueológicas, além de outros objetos de naturezas diversas, como itens históricos, zoológicos e botânicos.
O modelo seguido era o de museu enciclopédico, de caráter naturalista, típico das instituições museológicas do século 19. Com isso, transformou-se em centro documental e produtor de conhecimento científico.
O primeiro engenheiro
Em 1882, o engenheiro italiano Tommaso Gaudenzio Bezzi foi contratado pela Comissão Central para elaborar o projeto da planta de um Edifício-Monumento. Bezzi nasceu em Turim, Itália, em 1844. Durante uma viagem para a América do Sul, desenvolveu diversos projetos de residências, prédios e linhas telegráficas no contexto de modernização da Argentina.
Fixou-se no Brasil na década de 1870, onde trabalhou em alguns projetos e passou a frequentar a Corte no Rio de Janeiro. Casou-se com Francisca Nogueira da Gama Carneiro de Bellens, neta do mordomo do Paço Imperial.
Após a escolha de Bezzi, em 10 de outubro de 1882, foi colocada a primeira pedra do monumento durante uma solenidade. Em 17 de novembro, o projeto do engenheiro foi entregue para a Comissão Provincial do Monumento do Ipiranga em São Paulo.
Tentativas frustradas
Em 1855 houve uma tentativa frustrada de retomar o projeto. Em 1869, o governador imperial elegeu uma Comissão Central, na Câmara Municipal de São Paulo, para tentar dar continuidade aos planos das obras do monumento. Assim, algumas medidas começaram a ser tomadas na década de 1870 para a retomada da obra.
Em 1872, a pedra fundamental enterrada em 1825 foi exumada durante um levantamento topográfico do terreno. Por fim, durante uma solenidade pública realizada em 10 de maio de 1875, a pedra foi enterrada novamente, junto com uma caixa de ferro para protegê-la. Dentro da caixa também estavam jornais do dia e moedas.
O quadro “Independência ou Morte”
A pintura histórica “Independência ou Morte” foi feita pelo pintor Pedro Américo a pedido do Governo Imperial. A tela foi realizada na cidade de Florença, na Itália, em 1888, para ser fixada no Salão Nobre do Museu do Ipiranga, onde permanece até hoje.
A obra é considerada a representação mais consagrada do que supostamente foi o momento da proclamação da Independência do Brasil, quando D. Pedro teria proferido a frase “É tempo! Independência ou morte! Estamos separados de Portugal!”.
Em 14 de julho de 1886, firmou-se um contrato com Américo. Nele, o artista se comprometia a pintar um “quadro histórico comemorativo da proclamação da Independência pelo príncipe regente D. Pedro nos campos do Ypiranga” em três anos. A pintura foi concluída antes do prazo, em 1888.
Exposto pela primeira vez em 8 de abril de 1888, na Academia de Belas Artes de Florença, foi entregue três meses depois ao governo paulista. No Brasil, a tela foi exposta pela primeira vez na inauguração do Museu, em 7 de setembro de 1895.