Em 91 anos (1887-1978), a Hospedaria dos Imigrantes recebeu mais de 2,5 milhões de pessoas, de mais de 70 nacionalidades.
Um misto de curiosidade e nostalgia tomou conta dos nossos sentimentos – meu e da Beatriz Araújo – ao visitarmos o Museu da Imigração (MI), em São Paulo, no dia 15 de março de 2023. Ao circularmos pelo prédio inaugurado em 1887 com o propósito de acolher os imigrantes, foi impossível não reviver aquelas histórias ainda de sofrimento daquelas pessoas fragilizadas. Mas, ao mesmo tempo, de esperança de quem atravessou o Atlântico em busca de uma nova Terra para recomeçar a vida.
A primeira vez que tivemos contato com um museu dessa natureza ocorreu em 17 de novembro de 2015, quando visitamos a antiga Hospedaria de Ilha Ellis, em Nova York (EUA), vizinha da Estátua da Liberdade. Exatamente dois anos depois, ao visitarmos o Museu da Imigração de Montevidéu, no Uruguai, no dia 17 de novembro de 2017 – olha que coincidência – uma funcionária nos perguntou se conhecíamos o Museu de Imigração de São Paulo. Não conhecíamos e nem sabíamos da sua existência. A partir daquele dia, ficamos com ele na cabeça: “quando irmos a São Paulo vamos conhecê-lo”.
Inauguração da Hospedaria coincidiu com a abolição formal da escravidão
Passaram-se mais de cinco anos até que este dia chegou. Fomos a pé em menos de meia hora à rua Visconde de Parnaíba, 1316, no tradicional bairro da Mooca, onde o museu está instalado. Tínhamos nos hospedado propositadamente no vizinho Brás, que fica do outro lado da linha do trem. Saímos um pouco temerosos porque essa região da cidade tem espaços bastante degradados e muitos moradores de rua que lotam os viadutos.
Sempre convivemos bem desde a infância com os mais pobres e humildes em qualquer contexto, também porque somos oriundos desse meio. Mas, temos que entender que, para aquelas pessoas famintas, éramos apenas um casal já não tão jovem, visivelmente de outro estado já que a Beatriz não abre mão do seu chimarrão. Éramos, portanto, presa fácil para alguém mais desesperado. Mas foi tudo bem: fomos e voltamos e nada de ruim aconteceu.
A fachada do prédio e a maquete que está exposta logo na entrada dão a dimensão da importância daqueles imigrantes para o Império Brasileiro, já que aquelas levas de trabalhadores – em sua maioria europeus mas também oriundos do Oriente Médio e da Ásia – chegavam para substituir a mão de obra escrava. É importante lembrar que 1888 foi o ano da “Abolição da Escravatura”, através da Lei Áurea, assinada pela princesa Isabel, em 13 de maio.
Um mínimo de dignidade na chegada
Os imigrantes que chegavam à hospedaria eram recepcionados com um mínimo de dignidade pois havia inspeção de saúde, dentista, barbeiro, refeitórios e dormitórios. Ou seja, o básico para um ser humano ter condições de trabalho.
Aliás, uma recepção muito diferente da que tiveram os milhares de negros africanos escravizados, que foram arrancados de suas pátrias e jogados nos porões dos navios para atravessarem o oceano, ao longo de mais de três séculos. Um percentual absurdo dos que embarcavam morria na viagem e eram jogados no mar. Não por acaso o Brasil foi um dos últimos países da América a “libertar” os escravos depois de muita pressão internacional. (Leia a trilogia Escravidão, Volume I, II e II, de Laurentino Gomes, edição da Globo Livros).
E os negros não teriam nenhuma hospedaria para a transição para a “liberdade”. Com poucas exceções, foram todos abandonados em guetos e tratados como escória. Como uma laranja que tem o bagaço jogado fora, depois de sugarem seu suco precioso. Os negros foram escravizados, não tiveram a opção de serem imigrantes, de terem sido recebidos como gente.
Salvando a própria pela
Mas os imigrantes das mais de 70 nacionalidades não tinham tempo nem a opção de pensar nos negros. Precisavam salvar a sua própria pele. O Museu da Imigração de São Paulo preserva esses sinais. Muitas levas desses estrangeiros, a partir de 1930, vieram do Porto de Gênova, na Itália, onde se concentravam imigrantes de várias nacionalidades em busca de melhores condições de vida.
Entre camas, móveis de toda a espécie, cadeiras de dentista e de rodas, gramofones, máquinas de escrever e acordeons, o museu expõe dezenas de cartas que eram trocadas pelos familiares, principalmente entre os que já tinham vindo para o Brasil e os que aguardavam na Europa. Entre as correspondências está a de Manoel Cardozo Filho escrita em Ribeirão Preto no 10 dez de fevereiro de 1916 e endereçada ao pai, Manoel Cardozo Figueira da Foz.
O filho falava da expectativa de que o pai possa embarcar nos primeiros vapores que sairiam de Lisboa e pedia que o avisasse antes para que pudesse esperá-lo no Porto de Santos. Manoel tranquilizava o pai dizendo que ele podia embarcar sem medo “pois ao meu lado nada lhe faltará”.
Comunicação oficial da instituição
O Museu da Imigração do Estado de São Paulo (MI) possui um site bastante completo com a história da instituição – https://museudaimigracao.org.br. Segue um resumo do conteúdo.
O MI é uma instituição pública vinculada à Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo. Está localizada na sede da extinta Hospedaria dos Imigrantes, na Rua Visconde de Parnaíba, 1316, no tradicional bairro da Mooca, na cidade de São Paulo.
O edifício é um patrimônio histórico tombado devido à sua importância para compreender os fluxos de imigração no país e no Estado de São Paulo. Por sua vez, o museu vem aprimorando seu trabalho, criando oportunidades para que seu público entre em contato cada vez maior com as diferentes influências que compõem o cenário cultural da cidade e do Estado de São Paulo.
A exposição de longa duração, “Migrar: experiências, memórias e identidades”, é dividida em oito módulos, que permitem ao visitante conhecer o processo migratório como algo inerente à humanidade e, a partir disso, os processos migratórios ocorridos no Estado de São Paulo entre os fins do século XIX e início do século XX.
Exposições temporárias
Nas exposições temporárias, o museu tem buscado abordar temáticas relativas aos movimentos migratórios contemporâneos que acontecem no Estado de São Paulo, buscando discutir suas características, personagens e diferenças e semelhanças com a migração ocorrida no passado.
Eventualmente o museu também realiza mostras de curta duração que falam sobre os processos históricos de migração, como a exposição intitulada “Retratos Imigrantes”, que apresentou ao público uma série de fotografias de pessoas que passaram pela antiga hospedaria de Ilha Ellis, na cidade de Nova York, nos Estados Unidos.
O museu também possui um jardim e um Centro de Pesquisa, Preservação e Referência (CPPR) que podem ser visitados. O acervo museológico é bastante eclético e possui objetos relacionados à Hospedaria dos Imigrantes e aos migrantes e seus descendentes. Em seu acervo bibliográfico, a instituição possui títulos especializados sobre os processos migratórios. Também possui uma coleção de história oral e um conjunto de referências digitais sobre os migrantes que passaram pela Hospedaria, cuja guarda física está a cargo do Arquivo Público do Estado de São Paulo.
Mão de obra para a agricultura
A Hospedaria dos Imigrantes foi fundada no ano de 1887, ao longo da antiga linha ferroviária São Paulo Railway. A construção do edifício, segundo a Sociedade Promotora da Imigração – formada por cafeicultores da época – tinha como principal objetivo promover a inserção dos imigrantes na província de São Paulo, e encaminhá-los para trabalhos na agricultura.
Era a partir do Porto de Santos que os imigrantes entravam no Brasil com o objetivo de refazer suas vidas e, logo em seguida, eram levados até a Hospedaria, onde ficavam alojados durante um período variável de cinco a oito dias até serem enviados para iniciar o trabalho nas fazendas.
A respeito do local ideal para a construção da Hospedaria de Imigrantes, consta do relatório apresentado pelo governo da província à Assembleia Legislativa provincial no dia 15 de fevereiro de 1886:
A Hospedaria dos Imigrantes, em São Paulo, em 1910.
Em 1882, foi instalada uma hospedaria para imigrantes no bairro do Bom Retiro. Pequeno e com constantes problemas de epidemias, o local mostrou-se inadequado para os fins a que fora designado. Decidiu-se, então, pela construção de instalações que atendessem às necessidades de recepção do grande número de estrangeiros que para São Paulo afluíam.
A Hospedaria de Imigrantes funcionou até 1978 quando foi fechada. Em 1998, foi criado o então Memorial do Imigrante, com seu funcionamento até o ano de 2010.
Restauração terminou em 2014
A partir daquele ano, o Memorial passou por uma restauração em seus telhados, fachadas e esquadrias. Além disso, teve adequação de sua arquitetura para melhor atender sua museografia, e ainda, implantou elevadores e áreas de apoio à sua estrutura. A instituição teve seu nome alterado para Museu da Imigração, que guarda a história dos trabalhadores que por ali passaram na época de hospedaria em forma de jornais, documentos, fotos e depoimentos. A reforma durou até o ano de 2014 e, desde então, o prédio permanece o mesmo.
O Museu da Imigração do Estado de São Paulo está aberto ao público de terça-feira a sábado, das 9h às 17h, e aos domingos, das 10h às 17h. O valor dos ingressos é de R$ 10 reais a inteira e R$ 5 reais a meia-entrada. O museu pode ser acessado de maneira gratuita aos sábados, para o público e estudantes da rede pública de ensino e professores. As visitas para grupos agendados ocorrem de terças a sextas, nas modalidades educativa e autônoma.
Arsenal da Esperança
Um pedaço desse prédio histórico ainda hoje cumpre a sua função inicial. Além do Museu da Imigração, parte dele é administrada pela casa “Arsenal da Esperança”. Definida como uma “Casa que acolhe”, ela não mais recebe imigrantes, mas sim pessoas em más condições de sobrevivência, dando-lhes abrigo, comida e, sobretudo, apoio para que possam mudar as suas vidas. Também chamado de “casa que acolhe”, tenta ajudar na recolocação profissional dessas pessoas inserindo-as no mercado de trabalho, ministrando cursos e palestras.
Uma ideia que vai além da instância profissional, essas pessoas recebem também suporte psicológico e serviços básicos de saúde. Tal ação é realizada por meio de ações voluntárias e contribuições de associações, aberto ao público com visitas marcadas por telefone ou e-mail. Sua entrada fica na rua Dr. Almeida Lima, 900 no bairro da Mooca, zona leste de São Paulo, próxima a estação Bresser-Mooca do metrô.