A segunda edição do livro “E fomos ser gauche na vida”, da jornalista Lelei Teixeira, pela Publicato Editora, já está nas livrarias. Autora e editora optaram por não realizar nenhuma atualização do conteúdo para que a nova tiragem, de 500 exemplares assim como foi a primeira, pudesse logo ficar à disposição dos leitores.
Lelei diz que a obra, cuja narrativa destaca sua visão de mundo a partir da sua – e da irmã Marlene – condição de pessoa portadora de nanismo, está superando todas as expectativas. O lançamento do livro criou uma onda positiva em várias cidades gaúchas, sobretudo em São Francisco de Paula, município que adotou ainda criança, e em Porto Alegre, onde fixou residência no início da década de 70.
“Estou recebendo retornos incríveis. Acho que o livro está prestando um bom serviço tanto para chamar a atenção para os problemas enfrentados pelas pessoas portadoras de nanismo, quanto as demais deficiências”, relata. Lelei enfatiza que a sociedade em suas várias instituições, começando pela escola, não está preparada para acolher o diferente. “Mas as crianças são curiosas e querem saber. Por isso, sou defensora da palavra esclarecedora”, argumenta.
“As práticas continuam excludentes estimulando a rivalidade, a competição em todas as instâncias, incluindo o mercado de trabalho”, frisa a escritora. A jornalista conta que tem convivido muito com seus sobrinhos-netos e não cansa de chamar a atenção para o fato de que as crianças não são iguais – e as pessoas em geral – e é necessário respeitar as diferenças para que o mundo seja mais harmonioso e viva em paz.
Questionada sobre o quanto uma escola de qualidade no ensino fundamental e médio tinha sido importante para a sua formação – ambas estudaram na escola das freiras em São Chico, no Ensino Fundamental e frequentaram o Colégio 25 de Julho, em Novo Hamburgo, no Ensino Médio – e da sua irmã Marlene, que era um ano mais velha e faleceu em 2015, Lelei respondeu que, antes da escola, elas tiveram a sorte de terem nascido numa família inclusiva. “Naturalmente os nossos pais se preocuparam conosco quando perceberam que o nosso desenvolvimento físico estava sendo diferente do de Mariza, nossa irmã mais velha”.
Mas, segundo Lelei, tudo ficou esclarecido para seus pais no momento em que o médico Décio Martins Costa, de Porto Alegre, os tranquilizou dizendo que se tratava de nanismo e que as gurias poderiam levar uma vida normal. Certamente teriam muitos desafios pela frente devido às dificuldades de acesso e ao preconceito de algumas pessoas, mas que apostassem na inteligência delas que tudo daria certo. A vida provou que o médico estava certo.
Mas Leilei reconhece que não foi simples conviver uma vida inteira com os olhares curiosos de muitas pessoas de todas as idades. Algumas fazem chacota, outras são invasivas chegando ao excesso de tocá-las para matar a curiosidade. “A Marlene e eu conversávamos sobre tudo mas, até uma certa idade, não falávamos sobre nanismo. Havia um temor de nossa parte, parecia um mundo proibido. O dia em que nos sentimos preparadas para falar no assunto não paramos mais. Foi uma espécie de grito de liberdade”, resume.
A jornalista destaca também que, possivelmente devido a época em que foram jovens, ela e Marlene deixaram de viver algumas situações por um excesso de temor. “Um colega da TV Guaíba uma vez me disse que eu deveria comprar um carro pois era possível adaptá-lo à minha necessidade. Mas eu adorava andar de ônibus e nunca quis dar esse passo a mais”. Quando tem oportunidade de falar com crianças com nanismo Lelei as incentiva a aprenderem a andar de bicicleta e a nadar, atividades que ela nunca ousou a praticar.
Nas 166 páginas do livro Lelei nunca mencionou o desejo de ter filhos. Questionada sobre o fato ele disse que nunca pensou em casamento, nem em ter filhos, tampouco em ter casa própria. “Vivemos parte de nossa juventude no final dos anos 60 e início dos anos 70 com forte influência hippie. Não queria me prender a nada”, relata. Lelei conta que levou muito tempo para ser convencida a abrir uma conta bancária. “Recebia o salário e levava o dinheiro em espécie para casa, não queria depender de bancos”, completa.
A jornalista explica que, quando a maturidade chegou algumas coisas foram tomando outros contornos. A primeira mudança radical se deveu ao convencimento do amigo da vida toda, José Walter de Castro Alves, sócio na Gira Produtora de Conteúdos, que faleceu ano passado. “O Zé Walter não só nos convenceu a comprar um apartamento como nos ajudou em tudo, até com a documentação para o financiamento” relembra no livro.
Sobre espiritualidade Lelei lembra no livro sobre a necessidade de frequentar as missas aos domingos, em São Francisco de Paula. “Estudávamos num colégio de freiras. Ir à missa contava pontos”, recorda. Sobre essa atitude ela e Marlene eram chamadas de carolas pelo avô, que detestava padres. Quando foi convidada para fazer estágio em Zero Hora, ainda estudante de jornalismo na Unisinos, Lelei foi a uma sessão de Umbanda, já na época influenciada por José Walter.
“A entidade que me atendeu disse que eu fosse sem medo que tudo daria certo e que, um dia, eu até escreveria um livro”, finaliza.